Certamente não há uma única resposta. Um dos caminhos possíveis para reflexão é o das construções de gênero em nossa cultura e a maneira incisiva que elas moldam a visão de mundo de homens e mulheres. Existe uma norma de comportamento que dita como um homem e uma mulher devem se comportar, vestir e pensar. À mulher, historicamente, foi imposta uma postura passiva, submissa, enquanto que, ao homem, exatamente ao contrário. Essas relações binárias ativo/passivo, mandante/submisso, macho/fêmea e etc nos apontam claramente para a relação de poder desigual que se estabelece entre homens e mulheres. Subverter essas normas, principalmente para o homem, mas também para a mulher, é considerado pela cultura como algo vexatório, sendo impostas sanções aos transgressores. Cria-se, assim, uma norma que os indivíduos devem seguir sob pena de humilhações, isolamento, escárnio dentre outras punições.
Voltando à questão dos efeminados, eles são rechaçados por, acima de tudo, não se comportarem e serem da maneira que a norma diz que eles deveriam por serem homens. A aversão de alguns homossexuais diante de afeminados mostra que, apesar de seu desejo estar fora na norma heterossexual estabelecida pela cultura, a sua visão de gênero ainda está completamente presa a esta norma heterossexual, calcada em relação desigual de poder no que diz respeito ao gênero e nos binômios ativo/passivo, macho/fêmea acima referidos.
Pode-se, ainda, fazer uma leitura diferente desta aversão, partindo dos mesmos pressupostos acima. É possível pensar que, tal desafeto com os homens mais femininos, seja conseqüência de um mecanismo de defesa. O individuo condenaria no outro aquilo que existe em si mesmo mas acha reprovável, odioso e que tem, em última instância, sua existência negada em si mesmo, existindo só no outro. Porém, mesmo que os sentimentos destrutivos sejam direcionados ao outro, o ódio contra si mesmo persiste, já que, em última análise, os elementos reprováveis presentes nele mesmo permanecem, mesmo que atacados no outro como conseqüência do mecanismo de defesa. Seguindo este raciocínio, muito homossexuais que não gostam de afeminados estariam lutando contra a feminilidade que existe latente neles mesmos, mas que é projetada e atacada nos outros, em quem tal feminilidade é visível, como conseqüencia do mecanismo de defesa.
As relações entre dois homens e entre duas mulheres enriquecem-se muito quando podem ser libertadas destas normas heterossexuais da cultura. O gay, a lésbica, o transgênero, por estarem à margem da norma da sociedade, possuem uma oportunidade ímpar para repensar os conceitos culturalmente estabelecidos de gênero, percebendo que estes conceitos são apenas construções históricas que não precisam ser eternamente perpetuadas. Têm a chance, por fim, ao repensarem os papéis e relações entre homens e mulheres, de repensarem a si mesmos e integrarem o feminino e o masculino existentes dentro deles mesmos, tornando-se indivíduos mais completos, autênticos e livres.